Jardim

Desde sempre que vou para o jardim escrever. Gosto de ver os avôs a passear com os netos, gosto de ver as mães a passear os filhos, gosto de ver as velhotas a darem de comer aos pombos... E gosto de ver pessoas como eu, que apenas vão para observar.
Lembro-me que era a única rapariga que jogava futebol com os rapazes no campo que havia ali perto. Agora estou crescida e vejo a nova geração, ainda a jogar futebol. Engraçado que a actividade se manteve, apenas as crianças mudaram.
Também havia sempre alguém nos bancos a ler um livro, uma revista ou um jornal e havia estudantes que iam estudar naquela calma deste lugar seguro, onde não se vê imediatamente um carro, onde as árvores nos protegem do Sol mas não nos privam da sua luz.
O que mais me interessava nesse jardim era imaginar a vida dessas pessoas. Sentava-me numa mesa de picnic, observava as pessoas e escrevia sobre elas como se soubesse quem eram e o que faziam. O que a maior parte dos meus rascunhos tinha em comum era aquele jardim.

Mas não vou mentir... Tudo o que descrevi acima é razão suficiente para continuar a visitar este jardim e concretizar esta minha rotina pouco usual para uma rapariga de 20 anos, mas... Não seria a mesma coisa - e belisco-me por me lembrar de uma expressão muito usada nos dias de hoje - se aquela mulher não viesse passear os cães todos os dias àquela hora, às sete da tarde. Observava-a como observava todas as outras pessoas, mas esta mulher tinha um efeito mais poderoso em mim. Ela fazia-me sentir suja. Fazia-me sentir nojo de mim mesma...
Acho que estou cada vez mais perto de conseguir escrever sobre ela. Sobre a maneira como ela olha para mim e sobre a maneira que o seu olhar me faz estremecer. Um dia...